quarta-feira, 10 de abril de 2019

Irmão mata irmãozinho - O Poder da Palavra - Responsabilidade dos Pais





Marise Jalowitzki
07.abril.2019
https://marisejalowitzki.blogspot.com/2019/04/irmao-mata-irmaozinho-o-poder-da.html

Histórias narradas ou histórias vividas, principalmente na primeira infância, ajudam a formatar o código de ética e conduta de cada indivíduo, quer se lembre delas ou não. Estas narrativas exercem um enorme poder e influência durante a vida, determinando atitudes e reações. Por isso, muito importante aumentar o autoconhecimento, sempre, para que cada um se entenda o mais possível e, a partir daí, aprimore sua forma de expressão, de ação, de reação, de decisão.

Como já é sabido, nosso subconsciente (ou, por vezes, até mesmo o inconsciente) armazena fatos ocorridos e que, por boa parte da existência, nem lembramos. Assim acontece com todos. E é sabido, também, que, à medida que envelhecemos, muitas cenas e situações afloram de nossa memória remota. Está acontecendo comigo. 

O foco deste post é sobre o poder da palavra proferida. E sobre a responsabilidade dos genitores, diariamente, com aquilo que falam, com o que comentam, até mesmo para com as brincadeiras que fazem. Há muitas crianças (não são somente os diagnosticados como autistas), especialmente nos tenros anos, que levam ao pé da letra tudo que escutam. Que entendem e assimilam as coisas na forma exata com que são expressas. Assim:
- 'por as barbas de molho' será exatamente interpretado assim, e será um problema se for uma criança, seja menino ou menina, já que não possuem barba!
- 'pé no saco' - já imaginou se você cansou de alguma birra e, como mãe ou pai profere esta expressão a seu filho? E ele entender que, simplesmente, tem de colocar o pé em um saco, seja qual for??
E assim podemos enumerar muitas, muitas expressões que fazem parte de nosso dia a dia e que podem gerar confusão na cabecinha dos pequenos.

Hoje [re]lembrei uma narrativa trágica que minha mãe, ofegante, nos contou em um final de tarde. Reuniu a todos (éramos oito: pai, mãe e seis irmãos). 

Tratava-se de uma família inteira que morrera naquele dia. Eram pessoas conhecidas do meu pai e de minha mãe.

Casal de agricultores, jovens adultos, possuíam um menino de dois, quase três aninhos e um outro pequeno recém nascido, nem meio ano de idade. A mãe queria que tivesse nascido uma menina ('pra formar um casal') e sempre pronunciava isto quando o pequeno brincava, sorria, mamava, dormia. 
- Ah! Como é lindo nosso bebê! Como queria que tivesse nascido uma menininha pra me fazer companhia!
O pai, amoroso, dizia:
- Ele é muito lindo mesmo! 
- Mas é um menino! - redarguia a mãe.
E o pai, em tom de brincadeira, dizia:
- Ele é tão bonitinho, que é só cortar o tchico (como se fala 'pinto', pênis, aqui no sul) que fica uma menina...
E aquilo seguiu por várias semanas, brincadeira tola, sem nenhuma intenção além de rir, de amenizar o ambiente, mas de uma irresponsabilidade atroz! Todos sabiam da imbecilidade desta comparação, alguns vizinhos diziam pra o homem parar com aquilo, outros riam, achavam engraçado.

Tarde dessas, o pai na lavoura, a mãe lavando roupas do riacho não muito longe dali, os dois maninhos em casa, a mãe ouve o choro alterado do bebê. Não dá a devida importância, pois muitos pais deixam os filhos chorar pois 'fortalece o pulmão'...  Foi um choro forte, continuado e depois, silêncio. Dali a segundos, o menininho de quase três anos vem correndo, facão na mão, manchas de sangue também na roupa e, aturdido, apreensivo, assustado, gagueja:
- Mutter, eu quis fazer a menininha pra senhora, cortei o tchiquinho do mano, ele chorou bastante, mas agora tá quietinho. Parece que adormeceu.

A mãe solta um brado e diz:
- O que tu fez, desgraçado? Tu machucou teu irmão!??!!

E, sem pensar em mais nada, bate com a táboa de madeira de esfregar a roupa, na cabeça do pequeno que cai no chão, inerte. Ela entra correndo em casa e encontra o bebê já sem respirar. Apavorada e revoltada (com o outro filho), volta correndo ao local que o deixara, pronta pra lhe dar uma surra. O menino continua imóvel no mesmo lugar, imóvel. Ela o chama, sacode, põe a mão no pescoço dele, no pulso, e se convence que este filho também está morto, e pelas suas mãos... Em total desespero e descontrole emocional, vai correndo até o poço e se joga dentro dele, morrendo em seguida, afogada.

Horas depois, quase escurescendo, chega o pai da lavoura e se depara com os dois filhos mortos, os chinelos e o avental da esposa à beira do poço de água e presume o ocorrido. Dá-se conta do que o pequeno de quase 3 anos fizera e monta toda a cena, percebe que o menino realizou a brincadeira que ele, pai, fazia... vai até o quarto, pega o revólver e se dá um tiro na cabeça. 

Os vizinhos, que mal e mal ouviram algum grito e o estampido, deixam para o outro dia para procurar a família, esperando que as coisas se 'ajeitem'. Na manhã seguinte, encontram este terrível quadro e montam a sequência, com a ajuda da polícia.

E a minha mãe, naquela tarde de nem sei que dia de semana, reforçou muito em cada um de nós para que cuidássemos sempre o que pensamos e o que falamos, ressaltou a importância de se escolher bem as palavras, de pesar o significado de tudo que se diz, de sempre pronunciar coisas boas e evitar dizer besteiras, que dirá maledicências. O pai concordava, acenando afirmativamente com a cabeça.

Então, tudo dito.
Deixo para reflexão este caso grotesco, uma triste e dantesca história, que pode ensinar sobre a importância de se pensar no que se diz, e de como se diz. E que não precisa acontecer uma tragédia pra que um adulto se dê conta do quanto ele é modelo e exemplo para os filhos, e do quanto aquilo que diz vai influenciar os pequenos recém chegados ao planeta.

Lembre-se: A boca fala daquilo que o coração está cheio! Encha o mais possível seu coração de Amor, Compaixão, Aceitação, Calma Genuína, Empatia, Gentileza.

Paz e Luz!

 Marise Jalowitzki é educadora, escritora, blogueira e colunista. Palestrante Internacional, certificada pelo IFTDO - Institute of Federations of Training and Development, com sede na Virginia-USA. Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela Fundação Getúlio Vargas. Criou e coordenou cursos de Formação de Facilitadores - níveis fundamental e master. Coordenou oficinas em congressos, eventos de desenvolvimento humano em instituições nacionais e internacionais, escolas, empresas, grupos de apoio, instituições hospitalares e religiosas por mais de duas décadas Autora de diversos livros, todos voltados ao desenvolvimento humano saudável. marisejalowitzki@gmail.com 


Imagem do topo retirada da web (https://stocksnap.io/photo/ETG1NCU0NT)

2 comentários:

  1. Nunca ouvi nem vi, nem nas maiores e mais terríveis narrativas, uma história como essa. Embora concorde com cara palavra que diz lá bar vai uma semana de sono.

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    1. Entendo perfeitamente teu sentimento, querida amiga! Também a mim choca até hoje, mais de 5 décadas depois do ocorrido! Situações cruéis, sem volta, que tiveram um início em gracejos, em um jeito tosco de brincar!

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